domingo, 19 de maio de 2013

O Homem da Meia-noite



              Os eventos aqui relatados se passam nas férias de verão de 1996, em uma pequena cidade do interior do país.

            Durante as férias, os jovens passavam dias e noites nas ruas, em grupos de amigos, procurando diversão. Entre esses vários grupos, existia um que simples brincadeiras e festinhas de amigos já não os deixava saciados, havia uma necessidade de mais adrenalina, algo que pudesse aterrorizá-los.
            Invadir casas abandonadas atrás de fantasmas ou jogo do copo não os trazia nenhum resultado, até o dia em que o grupo se recordaria sempre, o dia que foram jogar o “Midnight Man”.
         
            Estavam todos reunidos em frente a casa de Léo e Katie, irmãos e tinham o mesmo círculo de amigos. Léo era o mais velho, naquela época tinha dezessete anos, era de uma estatura elevada e ligeiramente malhado, o que fazia ser além de mais velho, o mais forte e pesado da turma. Katie era a caçula, de quinze anos, de certa forma magra, e diferente de seu irmão cético, acreditava em eventos paranormais. A ideia dada no dia anterior, o Jogo, a aterrorizava, mas não demonstraria isso nunca, era orgulhosa e metida a valente, afinal, era a única garota do grupo e tinha que se impor igualmente firme como os demais do grupo. Seus pais tinham viajado, fazendo aquela casa agora vazia perfeita para o evento.
         
 -Então, vamos tirar no palitinho quem vai participar e quem vai ficar de fora? Afinal só temos duas velas...

            Todos pegaram um palitinho, os dois que pagassem os menores entrariam no jogo, e os demais ficariam de fora, esperando tudo acabar. Léo e Katie foram os “sortudos” da vez. Parecia muita coincidência, talvez um truque dos demais do grupo para por os irmãos lá, invés deles...

            -Parece que será uma noite em família irmãzinha – Disse Léo
            -Idiota! Espero fiquemos bem nisso tudo. - retrucou Katie
            -Aposto que vai se mijar de medo na primeira hora – Após dito, soltou uma gargalhada sarcástica para a irmã, e ambos começaram o ritual.

            Escreveram os nomes no papel, fizeram um corte no dedo e pingaram uma gota de sangue no mesmo. Acenderam as velas, botando com cuidado em cima do papel, e bateram 22 vezes na porta da casa, exatamente a meia-noite, apagaram as velas e entraram na casa. O jogo tinha começado, tinham que sobreviver até às 3:33.

            -Acenda logo sua vela Léo, ou quer que ele te capture imbecil? - A recomendação da irmã foi atendida, e ambos começaram a andar pela casa com apenas a luz da vela.

            Aquela casa nunca esteve tão escura como naquela noite, não se via além de alguns palmos a frente do nariz, mesmo com a vela, e ela estava ligeiramente fria, mesmo após um dia quente do verão.

            Katie foi para a cozinha e seu irmão ficou pela sala. Katie tentava manter a calma, e sempre pondo em mente de nunca ficar parada, como dizia as regras. Andava com cuidado, olhando para os lados, com temor de que no próximo passo encontrasse a sombra do Homem da Meia-Noite. Ela achava estranho o silêncio da casa, nem latidos de cachorro da rua podiam ser ouvidos, nem o vento, nada... Isso a deixava irritada, somente escutava o som da chama da vela queimando...

            Após alguns minutos na cozinha, começa a ser possível ouvir um sussurro invadindo a cozinha, era algo que ela não entendia o que dizia, mas com certeza não era humano. A temperatura caía depressa, deixando o ar gélido. Ela sabia que ele estava próximo, e sai pela outra porta, levando-a a uma escada que liga os quartos do segundo andar a cozinha, e tenta se esconder no escritório da casa.

             Ela se sentia confiante por fazer tudo isso com calma, sem perder a cabeça, e segura. Começa a examinar o local, afinal nunca entrara lá a noite, e aquele cômodo estava enormemente sinistro naquela situação. Tinha uma mesa de madeira antiga, uma cadeira, e do outro lado uma estante lotada de livros, e retratos de família pendurados na parede. Em um dia normal era reconfortante aquele ambiente, mas a noite era outra sensação.

            Katie olhava tudo com o maior silêncio possível, não queria que ele a achasse. Um velho relógio denuncia que a primeira hora tinha passado. Sua atenção é chamada a uma foto na parede, que se recordava de ser uma foto em família, mas estava diferente. Seus pais, tios, avós... todos sumiram do retrato, ficando apenas ela e o seu irmão. Ambos com uma pele cadavérica na foto, e uma aparente agonia no semblante. Isso estava errado, afinal ela se recordava daquele dia, estavam todos felizes, era as Bodas de Ouro de seus avós, e nem na foto eles estavam!

            Seu olhar muda de foco para os outros retratos, todos da mesma forma, além dela e Léo, nenhuma pessoa aparecia neles. Um livro aberto na mesa se mostrava com as páginas em branco, Katie deduziu que o mesmo ocorria com os outros na estante. Um pânico envolveu seu coração,  ela não aguenta mais ficar naquele local e sai de volta ao corredor.

            Ela escuta passos, e desce pela sacada principal de volta a sala, fugindo.

            Estava igualmente escuro, sombrio, amaldiçoado aquela casa, e a sala não era exceção. Tentando
memorizar aonde esta cada um dos móveis, ela evita ir em direção a eles, mesmo tendo a luz da vela, mas
essa não iluminava o suficiente para ver muito além. Na penumbra ela vê uma sombra, e seu coração gela. Temia que o Homem da Meia-Noite tivesse a achado de novo, tão rápido! Mas não estava tão frio como na cozinha, e não escutavam nenhum sussurro. Reunindo suas forças ela vira seus olhos para a sombra, e usa a vela para iluminá-la, tendo a visão mais aterrorizante da sua vida.

            Seu irmão, Léo, estava parado, em pé, sem reação. Seu olhar era perdido e negro. Em suas mãos estava o sal, e em volta dele um quase círculo de sal, mas não estava completamente fechado, e alguns centímetros a vela apagada e caída no chão. Ele havia perdido o jogo! O medo a apavora, ele devia estar tendo o pior pesadelo de sua vida naquele momento! Vendo o relógio no pulso do irmão, estava marcando “1:34”. Ele teria quase mais duas horas de sofrimento, e ela, de agonia.

            Sussurros e passos são novamente ouvidos, vindo do segundo andar. Katie tinha que fugir, mas não queria deixar o irmão naquele estado. Puxá-lo não adiantaria, ela muito mais pesado que ela, e o tempo era curto. Ela pega o seu saco de sal, que já rasgara a ponta antes mesmo de entrar na casa, e completa o círculo do irmão, esperando que isso o salvasse do sofrimento, e rapidamente vai se esconder atrás das escadas, num vão com a parede.

            Ali embaixo ela estava num ponto estratégico, se o Homem da Meia-Noite viesse por um lado, ela poderia sair pelo vão do outro, e dar a volta e fugir para a cozinha ou os quartos do segundo andar. Observava com atenção e medo o fim da escada, esperando ver para qual direção o ser iria ir.

            Os passos ficavam mais altos, e os sussurros, se tornavam mais claros. Pareciam gritos, vozes agonizadas, em dialetos desconhecidos. Aquele som invadia seus ouvidos, tirando sua sanidade. Agora um som de impacto no som mudara, ele tinha terminado de descer as escadas, e um frio enorme invade o local, sugando toda energia do calor existente.

            Katie põe o rosto para fora de seu esconderijo, tentando ver algo, e ela vê. A visão a deixava com
uma sensação nunca sentida antes, muito pior da qual teve vendo seu irmão, sentia ânsia de vômito, e um desespero enorme invadira não só seu coração, mas sua alma. Ela vira uma sombra, hora parecia com uma pessoa, mas tinha algo a mais. Parecia não pertencer ao mundo normal, sentia que dela saía uma energia muito negativa. Não sabia dizer aonde ele começava ou terminava, era como se tivesse um vácuo de extrema escuridão aonde ele estava, uma escuridão tão forte que fazia contraste a da sala.

            Ele a olhava, ela não podia ver, mas sabia, sentia isso, um olhar de um predador vendo sua presa, indefesa e frágil. De nada ela podia fazer naqueles segundos que pareciam eternidades. A chama da vela se apagara naquele momento, como se o Homem da Meia-Noite consumira a energia dela. O desespero aumenta, Katie tinha que acender a vela em menos de dez segundos e fugir daquela entidade ao mesmo tempo, e não tinha tido tempo de ver por onde ele viria.

            Ela arrisca a correr pelo lado que levava a cozinha, mas desvio seu rumo e subiu a escada com pulos estrondosos, não se importava com o silêncio agora, a escada denunciaria sua rota de qualquer modo, pois era muito barulhenta, mas lá em cima ela tinha mais opções de esconderijo.

            Entrou na primeira porta a direita e fechou, mas tomando cuidado pra não fazer barulho. E acende a vela. Ela sentia que tinha passado de dez segundos, mas quem se importaria? O importante  era ter escapado daquele ser. Após essa descarga de adrenalina, ela sente vontade de chorar, de ter um ataque, mas nem isso ela consegue, o pavor era muito grande. E a ânsia de vômito aumentara. Ela levanta a tampa do vaso e vomita, era melhor por aquilo para fora do que prender, e abaixa a tampa de volta.

            No banheiro tinha outras velas, decoração de sua mãe. E ela pensara em usar aquilo a seu favor, e tentara acender as outras velas. Foi inútil, simplesmente não queimava, como se o pavio delas não existisse. Seu medo aumenta ainda mais, e num desespero resolve quebrar as regras e acender a luz da casa. Inútil de novo, era como se ela não existisse, como se a sociedade voltasse a era das trevas, sem energia. Só tinha sua vela como fonte de calor e luz. Outra denuncia de hora do velho relógio, agora eram duas da madrugada.

            Ao olhar para o espelho, ficara petrificada com sua aparência, pálida, quase sem vida, com uma pele fina e frágil. Parecia que naquele momento, o Homem da Meia Noite era o mestre do jogo, sua presença naquela casa tirava qualquer possibilidade de trapaça, por isso as regras de não acender a luz, não era pra estragar o jogo, e sim para não estragar a sanidade do jogador!

            Continuava a olhar sua imagem, mas aos poucos vê algo se movendo atrás dela, vindo da janela do banheiro. Parecia ser um de seus amigos do lado de fora da casa, mas como? Ela estava no segundo andar, não tinha como ele flutuar no ar. Ele parecia assustado, mas após alguns momentos mudara seu semblante, dava um leve sorriso maquiavélico.

            A ficha caíra, não era seu amigo, não era uma pessoa, era a entidade, ele achou seu esconderijo! Uma escuridão ainda maior invadira o ambiente pelas frestas da janela, e se juntavam numa mão tentando alcançar Katie. Sua vela começava a perder forças, e vendo o que ia acontecer, ela abre a porta e corre, corre muito mais aterrorizada e agonizada que antes.

            Corre para o quarto do irmão. Sem saída. Não tinha nenhuma porta lá além da qual entrara, e por onde aquela “Coisa” entraria logo. Sua solução foi entrar no armário e se esconder ali. Sentia passos vindo, e temendo que a luz da vela denunciasse sua localização, ela a apaga.

            Tinha dez segundos para acender de novo, como mandava as regras, mas quais seriam as consequências? Ela continua a ouvir passos e sussurros indo do corredor, ficando cada vez mais altos. Ele devia ter chegado na porta do quarto. Seu sangue congelara de medo, mentalmente rezava para ele ir embora. E sua prece é atendida, em parte. Os passos são escutados de novo, mas em outra direção, ele não descobriu seu novo recinto! Estaria a salvo por enquanto. Os passos sumiram, e ela acende sua vela novamente. Passaram mais de dez segundos? O tempo é relativo, ela não sabia dizer, mas estava feliz por escapar dele naquele momento.

            Um som ecoa a casa toda, o velho relógio da casa soa 3 horas da madrugada. Só restavam mais 33 minutos para o terror acabar. As regras mandavam nunca ficar parada, mas seria prudente sair do armário e ficar a mercê daquela entidade de novo? Racionalmente não, mas a razão não importava mais, afinal se ela fosse soberana, nada daquilo poderia acontecer. Ela sai do armário e do quarto.

            Ela tinha medo de voltar ao banheiro ou o escritório, então ela poderia voltar a sala, aonde seu irmão estava petrificado, ir para seu quarto, ou a suíte de seus pais. O último foi sua decisão.

            Era um quarto grande, com um banheiro espaçoso e um closet. Katie sentou na cama, e começou a chorar, finamente e de modo inaudível para não denunciar sua localização, mas chorava.
Sua pele fina daquela paranormalidade toda parecia ser cortada com as lágrimas, estava se sentindo frágil, e quase morta. Aquele jogo era demais para suportar. “Como meu irmão está, será que ele vai  sobreviver após o fim disso tudo?”, pensava.

            O som de seu choro é cortado de repente, ela ouve novos passos. Apesar de parecer seguro, aquele local era um beco sem saída, dessa vez os armários do closet eram abertos, e não tinha saída, se a entidade a achasse lá, fim de jogo. Os passos ficam mais forte, e sussurros são novamente ouvidos, sua alma congela. Ele sabia aonde a encontrar!

            Não tinha saída, então ela só tinha uma possibilidade, o círculo de sal. Ela resolve fazê-lo antes dele entrar no quarto, para não ter o mesmo fim do irmão. Ela pega o saco e começa a despejar seu interior no chão, numa circunferência. Ao terminar de fazê-la, a maçaneta da porta gira, e ela abre com força, batendo na parede.

            Ele estava ali, com uma energia mais negativa que tudo, sua vela apagara na hora, e a escuridão eterna invadiu o local. Ela ouvia não mais sussurros, mais gritos, gritos de sofrimento, como se fossem almas sofrendo! Daquela escuridão veio algo mais escuro ainda, a sinueta de um homem, ou o que parecia ser. Ele parou em frente a ela, fora do círculo, parecia fitar ela, e saiu. A escuridão diminuiu, e a temperatura subiu.
Um minuto depois, uma luz era vista no corredor, não de uma vela, mas de uma lâmpada, era do banheiro. A energia elétrica voltara. O relógio do quarto marcava “3:33”. Era o fim do jogo. O Homem da Meia-noite podia não ter a botado nas alucinações de seu pior pesadelo, mas aquela noite com certeza teria sido a pior experiência de sua vida!
       
    Reunindo suas forças, ela saiu do círculo de sal, e apertou o interruptor do quarto, e uma luz invadiu o ambiente. Ela olhou sua pele, e ela estava normal de novo, realmente tudo acabou. Ela chora, chora como nunca chorou na vida, e agradece a Deus pelo fim de tudo. Sons de cachorro latindo na rua são ouvidos, o silencio normal tinha acabado. Ela reuniu suas forças e foi até a sala ver seu irmão, acendendo todas as luzes no caminho. Ela o encontra encolhido no círculo de sal que ela completou mais cedo, e chorando. Ela pergunta se ele está bem, ele diz que sim, e que nunca mais vai desafiar o paranormal de novo.
           
~Chuck

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